A irracionalidade do desejo

Você surgiu de repente e tomou conta da cena, se tornou o personagem principal. Não me recordo do que acontecia antes da sua chegada e fiquei me perguntando se, quem sabe, essa amnésia veio para deixar minha mente livre do que não fosse, unicamente, a sua imagem.
De qualquer forma, tudo se exalou como éter e ficou somente a lembrança do seu rosto belo e sorridente, de seus gestos meigos me impregnando de paz e de uma enorme alegria, ao nos amarmos.
Minha veleidade continuou e continua sendo você, anseio de uma segunda oportunidade de formarmos nós dois, outra vez, dando sentido ao existir do bem querer.
Contudo, o acaso, os pecados não penitenciados vêm, vez ou outra, para afastar-nos cada vez mais. A verdade pertence ao tempo que há de vir, mas talvez já não consigamos nos alcançar nessa distância crescente.
Volto ao tempo em que éramos plenos, onipresentes, nos bastávamos e, naquele intervalo de nossas vidas, pude vivenciar a verdadeira felicidade – “coisa inatingível”, era o que acreditava, antes disso.
Contudo, não temos o dom da onipotência, somos frágeis em nossa relatividade, caso contrário, determinaria que “nós dois”, fosse uma condição absoluta do meu existir - mesmo que fosse só em sonhos, pois o prazer, ainda vivo na memória, me acompanha dia após dia. Porém, os pesadelos são demônios cruéis e sádicos. E estão agindo...
Preso à indiferença, à suspeita, espero o julgamento que me é reservado. E, com uma certa angústia, brindo ao amor persistente e irracional.

[osair de sousa – do livro: curto conto]

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